Aldir por Haroldo de Campos

Poesia de Haroldo de Campos (1923 – 2003) sobre a obra de Aldir publicada no livro Aldir – Geometrie Parlanti.

Aldir
Geórgicas geométricas
Urbes vorticistas
Inventor de arquiteturas absolutas
lavrador de planuras cinéticas
onde a função imaginativa cabe à cor – uma cor imaginante –
assim Aldir
com suas planimetrias luminosas
com seus vertiginosos vorticópios.
Tome-se
um dodecaedro cromático.
De suas projeções – dessas geórgicas geometrizadas
desses campos roteados de cor que se abrem para o infinito
ou nele se perdem –
pode emergir num outro lance
por obstinada vocação ao vertical
por teimosa culminação reversa do ponto-de-fuga
uma cidade
toda uma cidade
voraginosa treliça de cubos esquadros quinas
pirâmides raias nuas.
Tudo começa e acaba pela vontade soberana da cor
que comanda e modula essa aliciante
fantasia estrutural.
No jogo da cor –
nesse magenta que se complementa de verde
no vermelho que se dobra de ciano
no amarelo-esverdeado que puxa para o violeta
no ciano que coopta por sua vez o vermelho
no carmim
no azul
no laranja
no roxo –
em toda essa dança cromática que se resolve na sabedoria do olho
que o olho lê e elege
fica
se deixa ficar
como o resíduo do referente
– uma assinatura:
a terra arada do cafezal perdura na memória da cor
qual traço mnêmico da origem
na urbe vertical-vorticista
insinua-se distanciando um horizonte rural de campo lavrado ;
anedotas decantadas
topogramas suprematistas
esses étimos da evolução do pintor carregam suas calculadas geometrias
– seus ex-campos e suas quase-urbes –
de uma iminência de presença
uma instância da presença na ausência
timbre ineludível de pintura metafídsica
(não por acaso falou Beuttenmüller de “geometria do ser” e Massimi Bignardi de “geometrie parlanti”)
que nos intriga
e nos seduz.
Penso
ao percorrer com o olho e a mente essa arte de Aldir
em Max Bense.
Na idéia
Constantemente reafirmada pelo semioticista de Stuttgart
De uma “concórdia profunda entre racionalismo e sensibilidade”
(die tiefe Vereinbarung von Rationalismus und Sensibilitäi)
entre intelligence e tendresse
Como a sigla dessas duas palavras-chave
Que Bense prefiria conservar em francês
como clareiras no seu alemão filosófico
creio que se pode resumir numa síntese expressiva
a postura desse colorista de concretudes
– paradoxalmente assaltado da saudade metafísica do referente perdido
que acaba sendo
– para mim –
o pintor Aldir

Haroldo de Campos
São Paulo, 1991

 
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