textos de aldir

Arte, Ciência, Vida, Tecnologia

> 1971
Publicado no catálogo da XI Bienal Internacional de São Paulo

Embora os modernos meios de comunicação permitam a ampla interação, artistas e cientistas vivem em mundos diferentes, não falam a mesma língua e nem utilizam os mesmos símbolos. O cientista acha que o artista raciocina fantasiosamente, o artista argumenta que o cientista o faz mecanicamente. Ambos desenvolvem seus trabalhos de forma independente, em grupos isolados.

Para o maior desenvolvimento cultural é preciso que haja a união destes dois grupos. Devem existir muitos canais comuns, pois ambos pesquisam as bases dos fenômenos naturais da vida. Devemos associar a sensibilidade do artista à metodologia científica dos pesquisadores e técnicos. Em um dado momento é necessário que a tecnologia resolva os problemas plásticos apresentados pelos artistas e estes devem mostrar novas aplicações para os produtos criados pela tecnologia.

Hoje a ciência amplia a captação dos órgãos sensoriais do homem. Podemos ver o invisível graças ao alargamento do espectro visual de nossos olhos. Os Raios-X, o infra-vermelho e o ultra-violeta quebram a barreira que havia entre o visível e o invisível. Hoje o homem vê através do tubos catódicos, das fotografias científicas, dos tele-tipos e do cinema o que ele jamais poderia ver diretamente.

Tento através de meu trabalho apresentar o que aparentemente seria invisível fazendo uso de chapas radiográficas e por meio de cine-radiografia. Concomitantemente mostro obras de apropriação cinematográfica, baseada no poder intelectual da montagem. Através dela desenvolve-se processo de recriação, sendo o resultado completamente diferente do filme original. Utilizo a televisão por ser esta uma linguagem visual e eletrônica, que dispões de inúmeros recursos para que seja desenvolvido o trabalho de arte plástica.

Através da apropriação de um tape de televisão posso colher aspectos das reações de um público não intelectualizado. Estas respostas populares, verdadeiras explosões da própria vida, devem merecer estudos mais profundos das motivações que as originam. Em meu trabalho, utilizo recursos tecnológicos na tentativa de mostrar a relação entre a arte, a vida e a ciência.

Nestes ensaios, ao invés de apresentar ao espectador um resultado, damos a ele elementos para que por si só chegue a conclusões. Desta forma ele ingressa em um processo de criação participando como fator ativo e não apenas receptivo.

Não devemos ignorar o impacto da evolução científica. Devemos ser sensíveis a ela e retratá-la para documentar nossa época.

Aldir Mendes de Souza

Dissecações Anatômicas
e Termografias:
A Arte do Corpo

> 1973
Publicado no catálogo da XII Bienal Internacional de São Paulo

Apresento uma análise dos aspectos estéticos do organismo, feita a partir da dissecação e montagem de peças de alguns órgãos. Tento restabelecer a relação entre arte e anatomia, fato já ocorrido no século XVII, quando as coleções realizadas por Ruysch eram conhecidas pelo público. A anatomia na época representava um conceito em moda, sendo que as dissecações eram realizadas em público e serviam de tema à pintura e ao teatro (teatro de anatomia). As coleções artístico-anatômicas deram mais tarde origem ao conceito de museus dedicados às artes e ciências.

Na obra apresentada nesta Bienal, os órgãos, em série de sete no total, são apresentados em formas cúbicas e cilíndricas, dando uma visão direta ao público. Indivíduos examinados através do sistema de termografia (medida de calor interno) resulta em apresentações verdadeiramente surrealistas. O termógrafo funcionando permite ao visitante uma nova visão e uma nova impressão de seu próprio organismo.

Aldir Mendes de Souza

Recuperação da Paisagem – Influências do ar e das águas poluídas no paisagismo contemporâneo. Cafezais – Marginais – Multinacionais

> 1977
Publicado no catálogo da IX Bienal Internacional de São Paulo

Chevreul e Rood, com suas pesquisas científicas no campo da física, influenciaram Seurat ma criação do post impressionismo, originando novas concepções da luminosidade das pinturas. É evidente portanto que o conhecimento tecnológico pode influir nas criações plásticas e no modo de pensar dos artistas contemporâneos.

Na XI Bienal, de 1971, afirmei no catálogo em que tratava da obra que expus naquela ocasião: “Hoje a ciência amplia a captação dos órgãos sensoriais do homem. Podemos ver o invisível graças ao alargamento do espectro visual de nossos olhos. Os Raios-X, o infra-vermelho e o ultra-violeta quebram a barreira que havia entre o visível e o invisível.” Portanto, se temos conhecimento de que a composição do ar está alterada nas proximidades das grandes metrópoles, é lógico supor que estas partículas em suspensão interfiram na luminosidade provocando um escurecimento da paisagem (tema do filme que será projetado durante a exposição). Se os rios que circundam as cidades tem as águas poluídas, os reflexos que nele se observam são diferentes daqueles retratados pelos antigos paisagistas. Na água parada e podre está a própria imagem da metrópole, reproduzida como num espelho.

Desenvolvo meu trabalho com rigor científico, através da composição geométrica da forma e da cor. A cor é apresentada geometricamente com a aplicação do pincel, segundo planos determinados e com círculos concêntricos que lembram movimentos ondulatórios. Tento ultrapassar a mera impressão superficial das fotografias. Procuro captar novas vibrações da luz, destilando as cores da atmosfera e desenvolvendo uma composição intelectualizada. O quadro representa então um ponto de vista, um pensamento, e não um local da periferia da cidade.

A pintura é a interpretação da paisagem, e não sua cópia.

O quadro torna-se dramático e vibrátil, captando a estrutura íntima do ar e das águas paulistanas, com suas partículas poluentes, poeiras, espumas e neblinas, oprimindo as áreas plantadas, simbolizadas pelos cafezais.

As telas interpretam cenas marginais dos rios Tietê e Pinheiros, mostrando as fábricas, fumaça, avenidas, veículos, favelas, prédios e as plantações ribeirinhas feitas que já prenunciam uma união cidade-campo. Este fato mostra um aproveitamento total do espaço e a nova paisagem é totalmente feita pelo homem, a vegetação natural desaparece cedendo lugar as regiões plantadas. O fruto (o café) por vezes aparece em primeiro plano, evidenciando sua importância, ao fundo as indústrias também representam o café solúvel.

Estas áreas cultivadas ganham vulto nas pinturas, evidenciando ainda a dependência Brasil-Café. Pinta-se não somente o que se vê, mas também o que se conhece. O dilema brasileiro “um país agrícola ou industrial?”. Seu símbolo seria um cafezal ou uma multinacional? Mas ainda podemos imaginar um Brasil colonial, com barões do café e senhores de engenho, pois a cafeicultura equilibra a nossa moeda e já se pensa em substituir o petróleo pelo álcool da cana de açúcar.

As partículas micrométricas de monóxido de carbono, óxido do enxofre, óxido de nitrogênio e hidrocarbonatos com seus cromatismos peculiares, criam um aspecto visual diferente do normal.

O paisagista metropolitano, que já tem seus olhos hipersensíveis, avermelhados e irritados pela poluição, está apto, com base na proposição apresentada, a realizar fantasias pictóricas que podem retratar uma realidade paulistana e brasileira.

Aldir Mendes de Souza

Exposição Galeria Projecta

> 1980
Publicado no catálogo da exposição na Galeria Projecta – São Paulo, 1980

Se nasci na cidade ou no campo, pouco importa. Na pintura não interessa de onde sou, nem quem sou, e sim o resultado de minha obra.

Dou valor ao desenho, à cor e à técnica. Sempre fui figurativo, tentando me manter fiel ao tema proposto em minha obra. Trabalho sintetizando a paisagem, ou melhor, abordando uma pluralidade de pontos de observação, criando novos símbolos para representar meus temas.

Procuro com este tipo de atitude mostrar o que se conhece, e não apenas o que se vê. Desta forma tento transmitir ao observador uma visão mais profunda que a normal. O homem modifica de tal forma o seu ambiente que brevemente as paisagens naturais serão substituídas pela total fusão entre cidade e campo, ambas paisagens geometrizadas pela interferência do homem.

A vivência do assunto está na memória e na imaginação. São as horas incríveis de permanência em vários locais simultaneamente, quando se pensando, sonhando e desenhando. É importante pintar e interpretar o ambiente em que se está vivendo. Aborto os temas que me estimulam com seus elementos plásticos, sejam eles rurais ou metropolitanos.

Depois da grande lição cromática dos pintores abstratos, eu, como artista figurativo, necessito começar tudo de novo, sem preocupações fotográficas na forma e na cor.

As paisagens que produzo talvez não existam, mas são mais verdadeiras que a própria realidade.

Aldir Mendes de Souza

Depoimento Críticos x Artistas

> 1982
Depoimento concedido ao crítico de arte Alberto Beuttenmüller para o texto do livro Críticos x Artistas.

“Você está fazendo algumas perguntas para os artistas sobre a obra, a pintura brasileira, Salões, Bienais, etc e tal. Eu gostaria, porém, de falar algo dos retratos, que realizo esporadicamente desde 1979, e que são mostrados neste livro. A ideia de desenvolvê-los, seriamente, surgiu durante a exposição de Belo Horizonte, em 1982, diante do interesse dos professores da Escola Guignard por este tema. Na volta resolvi dedicar-me ao retrato , e para isso tive a preocupação de colorista, quer dizer, as pessoas seriam usadas apenas como motivo.

Para cada rosto tive que descobrir uma nova cor dominante e uma nova composição cromática. As obras foram realizadas com a aplicação de minha técnica de pintar, geralmente cruzando cores complementares. O tipo de pincelada que normalmente uso na paisagem, quando aplicada na face, lembra os estudos de Langer, um anatomista vienense que, em 1861 estudou os efeitos da tensão na pele de cadáveres. Ele fazia pequenos orifícios na pele de diferentes regiões do corpo, e observava a direção, segundo a qual, esses orifícios sofriam tensões naturais quando a pele se distendia. Traçando riscos, unindo estes orifícios em várias direções, se obtinham as linhas de Langer.

A pele é composta de muitas camadas, mas normalmente observamos apenas a mais superficial. Nessas pinturas desenvolvo uma técnica que valoriza os fundos. Procuro, ao retratar as pessoas, mostrar algo que está abaixo da epiderme, nas milhares de fibras elásticas e musculares que se distribuem nas direções descritas pelos anatomistas. As fibras musculares de dispõem sempre perpendicularmente em relação às linhas de Langer, e a pincelada, formando ângulos retos, dá essa ideia. Nas camadas mais superficiais da pintura, não se usa a textura da pincelada , e tudo se passa como se estivéssemos tentando cobrir o que está abaixo da pele. É lógico que numa pintura por veladura, por transparência, se notam as camadas mais profundas, e isto é melhor conseguido com a técnica de óleo sobre tela.

Não pretendo ser retratista mas sim colorista. Pintei retratos para o livro. Aceitei o desafio de tantar pesquisar a cor, na face dos retratados. É lógico que é uma maneira pessoal de encarar o retrato, mas, se não fosse pessoal, eu não teria o interesse de desenvolvê-la. Sabendo que as obras fariam parte de um mesmo lote, que seria exposto todo junto, tratei de colorir as pessoas com grandes diferenças cromáticas de umas para as outras.

A maioria dos retratados eram meus conhecidos, e isso facilitou o trabalho. Realmente seria cabotinismo de minha parte afirmar que eu tenti representar o que estava além do rosto, algo da parte psicológica ou da personalidade do retratado. Acho que, às vezes, o pintor pode transmitir isso no retrato, mas o que verdadeiramente importa é a cor. As crianças e banhistas de Renoir, ou as vênus de Boticelli entraram para a história da arte apenas pela forma e cor, e não pelas personalidades retratadas. Penso que a tentativa de dar a essência psicológica do retratado, em detrimento da cor, em pintura, é um equívoco. Pretendo ser pintor e não psicólogo. Na minha opinião, Modigliani não pintava pessoas, pintava Modiglianis. Eu tento fazer o mesmo no retrato, isto é, o trabalho resultante deve estar integrado à minha obra, como um todo. O relevante em arte é se reconhecer o realizador do trabalho, que deve ter estilo próprio e apresentar a sua maneira de ver as pessoas.

Depois de tantos anos de paisagens, com a obra começando a entrar no mercado e sendo aceita pelos colecionadores, sei que corro um grande risco ao pintar retratos. Penso, porém, que realmente, em pintura, o tema não tem grande significado.

Desde 1980 existia um projeto meu, em que cada pintor retrataria um crítico de arte, que, por sua vez, escreveria um ensaio sobre a obra do artista. Seria então editado um livro com este material. A idéia quase veio a concretizar-se, sob o patrocínio da Galeria Paulo Figueiredo. Depois, por problemas vários, talvez por minha própria culpa, não consegui levar o projeto adiante. Agora com o esquema do livro modificado, isto é, um único pintor retratando 40 pessoas de uma só vez, foi possível realizá-lo.

A galeria de retratados torna-se quase uma retrospectiva de minha obra. Ao lado das pessoas há sempre uma paisagem característica de uma de minhas fases. Faz exceção o retrato de Radhá Abramo, onde eu uso apenas a pincelada como fundo, porque foi ela mesma que a valorizou em seus comentários. Radhá, em certa ocasião, chegou a falar em pinceladas geométricas. Foge à regra também o retrato de Alberto Beutenmüllert que tem o fundo abstrato, porque foi um dos poucos críticos que julgou importante essa fase. Beuttenmüller teorizou sobre meus quadros, mas não fiquei realmente muito preocupado com as teorias, nem com o que eu havia encontrado, cruzando as cores complementares. A erosão da cor usada na geometria da terra ou na geometria do rosto pode produzir os mesmos bons efeitos cromáticos. As madonas de Piero della Francesca tem a pele vermelho claro, sobre fundo verde. Mas não se pode fazer disso um maneirismo.

Nesse projeto percebi que se não enfrentasse a tarefa de pintar os retratos sozinho, a exposição não seria realizada, este livro não seria editado e não se estudaria a possibilidade de fazer o 1o. Ciclo de Debates entre Críticos e Artistas, que a Fundação Armando Álvares Penteado tem interesse em promover.

Entretanto sei que críticas virão, principalmente por parte das pessoas retratadas que, geralmente, não encontrarão na minha pintura ideais e cânones que, naturalmente, têm de si mesmos. Alguns reclamarão de problemas estéticos relativos a idade, cor do olho o do cabelo. Mas tenho consciência de que essas preocupações com a fidelidade da aparência entre o retrato e o retratado são, ao londo do tempo, totalmente efêmeras. Os retratos ficam, os retratados não. Portanto, daqui há cinquenta anos, mais ou menos, o espectador terá apenas formas e cores. Diz-se até que Mona Lisa não é fiel ao modelo que lhe deu origem. O importante é que eu, através das cores, tentei documentar meus colegas, e minha época, e que o Museu de Arte Brasileira teve a sensibilidade de adquirir essas obras em lote para que elas pudessem permanecer juntas e serem julgadas pelo tempo.”

“…Não tenho mágoa dos críticos que são contra o meu trabalho. Alguns deles, como minha amiga Aracy Amaral, tentaram impedir que eu continuasse atuando no campo artístico, recusando minhas obras em salões, me aconselhando a parar. Ou então largar minha outra profissão (a medicina), para entrar numa escola de arte, ser artista formado, com dedicação total. Tenho aliás, pela Aracy, o maior respeito. Foi a primeira pessoa a ser consultada sobre este livro, não aceitou participar pois achou a ideia mundana, aconselhando-me a usar a fotografia dos entrevistados, ao invés da pintura. Respondi que sou pintor, não fotógrafo. E passei a consultar outras pessoas que me apoiaram, e o projeto foi adiante. Em todo caso agradeço a ela pelas críticas negativas porque sempre me estimularam. E se minha obra ficar, como fica Aracy?”

“… Aprendi a fazer o que faço, fazendo. Duas pessoas, porém, eu destacaria como elementos que me auxiliaram no início da minha caminhada: o Paulo Mendes de Almeida e o Arcângelo Ianelli.”

“…A arte nunca teve função específica, pois ela é consequência do Homem. Ele a realiza por necessidade de expressão.”

“… sempre fiz o que quis, sem a menor intervenção do mercado de arte.”

“…Minha técnica é simples e já foi explicada no livro Aldir – Geometria da Cor. Preparo o fundo com o cinza colorido decantado (cinza soma de todas as cores) retirando o excesso de óleo e pinto sobre este fundo seco, cruzando as cores complementares. Ou seja, se pintei verde numa área, por exemplo, coloco em cima o vermelho, isso depois do verde estar bem seco. Da mesma forma, na área onde pintei vermelho, pinto por cima o verde, cruzando assim as cores complementares. Nos compêndios clássicos de pintura diz-se que não se deve fazer isso pois resulta o marrom. A minha técnica deu certo, porque ao cruzar as cores complementares, eu não faço no tom exato, mas em um tom rebaixado da escala cromática, quer dizer, bem mais claro. Essa técnica foi descrita, estudada e explicada pelo crítico Alberto Beuttenmüller, embora eu não a use o tempo todo, mas sim quando me parece imprescindível, com o intuito de dar uma dinâmica colorística no quadro. Com essa técnica descobri uma pulsação entre a cor de baixo e a cor de cima, criando um efeito óptico que Beuttenmüller chamou de “erosão da cor”. Porém, em pintura, não se pode estabelecer regras fixas, vale mais a prática da intuição, que a teoria das cores.

O trabalho de Beuttenmüller traz uma contribuição para o estudo das cores superpostas, e qualquer pintor pode tirar proveito destes recursos. Estes efeitos são utilizados desde a pré-renascença, com os fundos verdes para figuras humanas, mas até hoje nunca tinham sido descritos cientificamente.”

Aldir Mendes de Souza

Cidade x Campo

> 1983
Texto publicado no catálogo da exposição Cidade X Campo – Exposição Itinerante: Belo Horizonte, Marília, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e Curitiba.

Com este nome foi definida em 1982 pelo crítico de arte Alberto Beutenmüller a minha maneira de pintar com as cores complementares superpostas para conseguir novos efeitos ópticos. Esta técnica é hoje realizada da seguinte forma:

1- Na tela branca é desenhado um gradio geométrico qualquer com a cor escolhida como tema. Isto é feito com o bastão de crayon e réguas retas e curvas.

2- A escolha da cor da riscadura já resulta em outra que lhe é antagônica na escala cromática.

3- As áreas são preenchidas primeiramente com várias nuances da cor tema, deixando-se espaços em branco para serem ocupados por sua complementar também em várias nuances.

4- Depois da secagem das tintas inverte-se o processo aplicando-se a cor tema sobre sua complementar e reciprocamente.

5- A cor que cobre sua complementar sofre o processo da erosão pelo fenômeno da veladura que deixa transparecer a cor do fundo. O efeito visual é surpreendente. A cor erodida é a dominante, mas o que se vê é uma cor limpa e não escurecida ou acinzentada como se obtém quando se mistura cores complementares antes de aplicá-las na tela.

Harmonização de Superposição

Nos livros sobre harmonização das cores os autores referem que, para se conseguir harmonizar as complementares deve-se misturá-las em diferentes proporções produzindo o cinza-neutro que determinará o caráter misto da harmonia. Este é o chamado tom-rompido, um cinza colorido que é utilizado pelos grandes coloristas na criação de climas emocionais nas pinturas.

Na erosão da cor não se utiliza a mistura das cores complementares, com a camada superior degradada pelo branco. A veladura permite que uma complementar influencie a outra por transparência, sem perder suas características cromáticas de limpidez, sem escurecimentos, evitando-se assim as cores sujas ou acinzentadas. A erosão preserva a crominância dos tons conseguindo uma harmonização por superposição das cores.

A erosão da cor atinge a harmonia porque se sabe que suas complementares atenuadas de tom fornecem uma vibração neutralizada que se traduz em fineza de cor. Sabemos que a pintura não pode estar sujeita a regras fixas. Entretanto o observador poderá melhor interpretar uma harmonia de superposição sabendo que existe em pintura o fenômeno da “erosão da cor”. As pesquisas científicas mostram que uma cor projeta sobre o matiz vizinho a sua própria complementar. No caso da “erosão da cor”, o que se projeta na cor vizinha já é uma associação da cor erodida com sua complementar ao fundo. Se na área vizinha já temos também a superposição, conclui-se que poderemos ver novas possibilidades de harmonização. A “erosão da cor” harmoniza por concordância entre complementares, degradadas e transparentes.

As várias técnicas de pintura a óleo, excluindo-se o procedimento com uma só camada (a la prima), recomendam que se aplique um fundo uniforme na primeira demão de cor. Na erosão, o fundo já é feito com as complementares em áreas justapostas, para poder na segunda demão realizar o cruzamento. Esta diferença no fundo é o que provoca novas nuances na segunda e terceira camadas de tinta.

A beleza da cor erodida já é referida nos trabalhos de pintura como o fazem Max Doener e J.Bontcé, respectivamente: “Un efecto de belleza exagerado de color de la veladura puede ser degradado facilmente por un tenue sobrematizado com blanco, o colores complementarios”. “Puedem darse capas inferiores en colores frios y pintar encima con tonos frios, o calidos sobre cálidos, para aumentar asi la cualidad de temperatura del color, se puede emplear un tono complementario”.

Na “erosão da cor” procura-se tirar o máximo proveito estético destes fenômenos.

Introdução do livro ALDIR – GEOMETRIE PARLANTI

> 1991
Introdução do livro ALDIR – GEOMETRIE PARLANTI

Para o colorista é indiferente ser figurativo ou abstrato.

Em pintura o tema é secundário; portanto, posso continuar desenvolvendo os mesmos assuntos infinitamente.

Aldir Mendes de Souza

Paisagem Subatômica

> 1993
Publicado no catálogo da exposição Paisagem Subatômica, realizada no MAC-USP, São Paulo, 1993

As pesquisas para a compreensão do universo ultimamente desviaram-se do extremamente vasto para o extremamente diminuto. Nesse contexto o artista plástico pode eventualmente interessar-se pela paisagem subatômica como tema de suas pinturas.

É evidente que isto é uma fantasia, servindo apenas para motivar as combinações cromáticas utilizadas nas telas. Segundo Stephen W. Hawking, quando um elétron transita de uma órbita para outra mais próxima do núcleo, emite um fóton que pode ser observado como luz visível pelo olho humano, caso o comprimento de onda seja adequado. Ele pode ainda ser detectado em um filme fotográfico num detector de fótons.

Minha pintura atualmente mostra, nesse aspecto fantasioso, a trajetória dos fótons e as áreas coloridas formadas entre eles, conforme fenômeno descrito por S. W. Hawking, transpondo isso para o espaço-tempo da tela. Tenho abordado, nos últimos 30 anos, o tema da cidade, do campo e das zonas de fusão entre estas áreas, sempre buscando variações que me motivem a pintar.

Noto hoje, entretanto, que desde os primeiros quadros já estavam presentes em minha obra a perspectiva, a geometria, a velocidade e os vários pontos de observação. Muitos trabalhos da década de 60 tinham como assunto a paisagem aérea, a cidade do futuro, a tecnologia agrícola, o dinamismo metropolitano, a visão dos astronautas, a vida em satélites artificiais, as imagens em Raio-X, enfim, temas ligados à cinética universal. Enganam-se portanto aqueles que veem na minha obra apenas paisagens, ao invés da multivisão de um observador em movimento ocupando uma série de pontos no espaço, correspondentes a diversos momentos sucessivos no tempo.

Na última década minha obra baseou-se em um desenho que resultava na intersecção de linhas que se cruzavam em dois sentidos, geralmente o horizontal e o oblíquo. Surgia então um quadriculado que mostrava quadriláteros em perspectiva, lembrando uma visão aérea (fig. 01).

No início de 1992 introduzi um novo grupo de linhas que partem de um ponto de fuga determinado ao acaso (fig. 02). Ao se fazer a superposição das figuras 01 e 02, surgem fragmentos geométricos imprevisíveis e não planejados (fig. 03). No desenho assim obtido, riscam-se outras linhas, retas ou curvas, criando-se novos espaços, subdividindo-se os já existentes (fig. 04).

Chamo de geometria imprevisível ou fragmentada o resultado plástico assim obtido. Este novo desenho sugere paisagens estranhas, repleta de aspectos inusitados que me parece remeterem ao big-bang e à Teoria do Caos e sua Geometria Fractal.

As figuras geométricas resultantes deste processo nada tem a ver com a geometria euclidiana, que se preocupa com formas perfeitas (círculo, retângulo, quadrado, cone, cilindro etc.). As formas geométricas aqui obtidas geralmente apresentam lados curvos e outros retos, originando uma geometria deformada, como acontece nos sistemas dinâmicos estudados pela topologia. Esta é uma geometria que ocorre no mundo da física, das galáxias e das partículas subatômicas. Ela reflete um universo irregular de natureza complexa e aleatória. Talvez seja essa a representação mais fiel dos fenômenos da universalidade, com sues múltiplos campos de energia.

A Geometria Imprevisível é de origem plástica e em minha opinião difere da Geometria Fractal (do adjetivo “fractus”, do verbo “frangere”, que significa fraturar ou quebrar) que é desenvolvida pelos físicos e matemáticos. A Geometria Fractal mostra o resultado plástico de equações matemáticas processadas por computadores. A Geometria Imprevisível faz o inverso, é criada pela intuição e pelo desenho manual à lápis.

Como a boa ciência, penso que a boa arte não pode ser totalmente planejada. As figuras geométricas que atualmente pinto não são concebidas com planejamento. Nesse ponto considero ter o meu trabalho um grande ponto de diferença em relação ao de outros artistas geométricos, que estudam previamente a composição de seus quadros. Meu desenho tem diversos pontos de fuga e as linhas se dirigem a mais de três direções, estabelecendo um esquema que tem pelo menos três variáveis distintas.

Suponhamos agora que cada uma destas linhas do desenho que originou a Geometria Imprevisível represente a trajetória de uma partícula, um fóton, por exemplo. Estas trajetórias dos fótons que se cruzam e se chocam criam espaços que possuem uma forma geométrica estranha. Pretendo estabelecer uma relação entre estes espaços e o tempo de trajetória através do que chamo “Diagrama Cromático Espaço-Tempo”.

Como se sabe o quadro é um conjunto bidimensional, pode-se, portanto, para sua leitura, o mesmo sistema bidimensional dos diagramas espaço-tempo da física relativística. Esta última considera a variável tempo como uma linha vertical, e a variável espaço como uma linha horizontal, também chamada de linha do universo (fig. 05). A leitura da pintura de acordo com o diagrama cromático seria feita de baixo para cima, conforme a direção no tempo, e da esquerda para a direita, conforme a evolução no espaço.

Portanto, no diagrama cromático proposto por minha pintura, as cores perdem intensidade (modificam o comprimento de onda, baixando de tom) na medida em que se afastam do primeiro plano, isto é, sobem na linha do tempo. As figuras geométricas perdem espaço, isto é, ficam menores, na medida em que sobem na linha do tempo. Desta maneira, estas variações de forma e de cor transmitem uma sensação de perspectiva como na paisagem clássica. Na, linha do espaço (linha horizontal) as cores evoluem pelos vértices das figuras geométricas pela direita ou pela esquerda, compondo através das arestas a trajetória da cor. Como nos diagrama s de física, a inclinação da trajetória simboliza a velocidade, sendo que quanto mais inclinada maior é a velocidade da partícula (fig. 05).

No diagrama cromático temos a possibilidade de contemplar a velocidade e a trajetória de uma determinada cor (fig. 06). A física relativística estabelece os diagramas para representar as interações entre as partículas no espaço e no tempo. O diagrama cromático representa a interação da trajetória de diversas cores.

Se o espaço e o tempo, conforme os estudos da Relatividade, formam um binômio integrado, o artista plástico, ao criar espaços em sua obra, deve levar em consideração também o tempo.

O observador, ao ver uma pintura, se depara de início com o impacto visual da obra. Depois desta primeira impressão, se houver interesse, ele passa a fruir as formas e as cores. Os efeitos cromáticos estão ligados ao tempo de saturação da retina. Os diferentes graus de saturação foram estudados por Purkinje, no século IXX, revelando as particularidades do comportamento da retina frente às diferentes cores, em diferentes tempos de repouso e saturação.

O observador deve acompanhar a trajetória de cada uma das cores do quadro separadamente. Durante o tempo de fruição de uma determinada trajetória de cor, pode-se notar mudanças de tom e de ocupação espacial, que varia no diagrama cromático espaço-tempo. A impressão do conjunto é uma explosão cromática resultante dos choques entre os feixes e os fótons. A cor passa a ser a forma e o assunto da obra, ocupando os espaços criados pelos campos de força.

A pintura, embora se desenvolva no espaço, tem a sua compreensão ocorrida no tempo. Esta captação do sentido da obra está subordinada aos valores sensitivos ligados à adaptação visual e o tempo de latência da retina.

No Diagrama Cromático, as cores são colocadas no espaço formado pelas linhas da trajetória das partículas. Estas áreas coloridas simbolizam os vários momentos da passagem de um ponto ao outro. Nestes estados intermovimentais, a matéria é pura trajetória uma vez que o tempo vem traduzido em espaço. Tento em minha pintura transmitir o movimento Universal, no sentido da relatividade, da simultaneidade e no dinamismo resultante de uma explosão inicial.

Este dinamismo plástico emana de formas geométricas criadas em consequência do cruzamento de linhas de força. As luzes dos fótons das cores se interpenetram e se influenciam reciprocamente e, através da trajetória e da velocidade, se transformam em fonte de energia.

A intuição destas formas e destas cores tem como objetivo a transformação lírica da realidade em campo energético. Desta forma, estabelecemos verdades subjetivas, e por conseguinte, variáveis infinitas. O trabalho se desenvolve entre o consciente e o inconsciente, entre o instinto e a razão, entre a inteligência e a sensibilidade.

O tema da pintura, portanto, mudou dos campos plantados para os campos magnéticos.

O binômio espaço-tempo é amorfo e relativo mas o torno absoluto através através da representação geométrica e materializado pela simbologia cromática. Entretanto, abandonamos o mundo físico e matemático para entrar no domínio da poesia e do sonho.

IMPORTÂNCIA DO SUPORTE

Minha tese atual é que o resultado plástico das pinturas geometrizadas em telas retangulares depende do tamanho do suporte. Embora o mesmo sejam mantidos o mesmo artista, tema e período de produção, teremos diferentes exposições com conjuntos de telas de proporções diversas. Assim, serão realizadas três mostrasem três diferentes espaços no campus universitário da USP.

Quadros de grandes proporções serão expostos na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, de dimensões médias na agência do Banco Real e pinturas de pequenas dimensões no Instituto de Física.

Aldir Mendes de Souza

Movimento da Cor

> 1994
Publicado no catálogo da exposição Movimento da Cor, no Museu de Arte Brasileira da FAAP – São Paulo, 1994.

Segundo Stephen W. Hawking, quando um elétron troca de uma órbita para outra mais perto do núcleo, emite um fóton que pode ser observado como luz visível pelo olho humano, se o comprimento da onda for adequado. Ele pode ainda ser detectado por um filme fotográfico nem detector de fótons.

A atual série de pinturas propõe uma ficção científica que mostra a trajetória dos fótons se chocando, se cruzando, e assim formando áreas coloridas representadas nas telas. O observados é motivado a acompanhar a trajetória de uma determinada cor no espaço. Sua visão vai divagando e esta fruição se desenvolve durante um determinado tempo, alternando repouso e saturação da retina.

Realizo esta exposição para mostrar o movimento das cores. Elas não são entidades separadas, mas sim padrões interligados de energia, que são detectadas por algumas células do olho, originando sensações. As cores se influenciam mutuamente quando justapostas. Cabe ao observador escolher uma ou várias delas e viajar através do espaço-tempo da tela.

Aldir Mendes de Souza

A Nova Paisagem Sensível

> 1996
Manifesto lançado durante a abertura da exposição Poetas do Espaço e da Cor realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 05/06/1997.

Nos dias de hoje pode-se afirmar que existem dois tipos de paisagem, aquela que é natural ou geográfica e uma outra que seria a paisagem sensível. Em 1964 o artista de arquiteto Waldemar Cordeiro, durante o seminário – O Homem e a Paisagem – realizado no I.A.B., afirmou que “na paisagem sensível o que se vê não é o que se vê mas o que não se vê”. Conforme o referido autor , para a paisagem sensível, o que vale é a Gestalt, cujo sentido não depende de explicações fundadas em dados geográficos mas sim na realidade comunicativa do conhecimento. Ela não representa, ela é. Essa nova maneira de comunicação é eminentemente psicológica e funda-se mas leis da percepção e no dinamismo.

Repetir a paisagem natural em pinturas, equivale a considerar o homem como elemento indiferenciado privando-lhe do seu raciocínio. O pintor paisagista não pode pretender competir com os modernos aparelhos que através de novas tecnologias documentam a paisagem geográfica com perfeição, como é o caso da fotografia. do vídeo, do cinema, da holografia, etc. O novo paisagismo não deve ser uma síntese criativa do que se vê mas sim do que se conhece.

O ritmo das formas da paisagem natural não é comparável ao dinamismo da paisagem sensível. Esta última leva em consideração o binômio espaço-tempo e outros conhecimentos culturais que transformam os aspectos naturais. Precedendo-se uma interação entre o intelecto e a sensibilidade, pode-se representar outras realidades que refletem a espiritualidade do homem.

A pintura paisagística através de símbolos e signos deve ser uma forma de conhecimento no âmbito da comunicação em arte. Esta paisagem criada pela sensibilidade, raciocínio, intuição e acaso, deve ter uma subjetividade transcendente que em última análise é a base do seu surgimento.

O observador da nova paisagem não se comporta de forma contemplativa como no paisagismo tradicional. Ele assume uma postura racional desenvolvendo seu próprio modo de interpretação buscando a compreensão do mundo em que vivemos.

Durante muitos anos pintei uma síntese das paisagens rural e metropolitana. No começo da década de noventa passei a representar através da pintura a trajetória da cor e a sua velocidade no espaço-tempo. Desenvolvi uma relação do espaço bidimensional do quadro com o tempo da fruição da cor através da retina. O movimento da primeira cor na grade feita na tela gerava o desenho. Procedi portanto uma inversão pois antigamente a cor era colocada no desenho da paisagem e agora o desenho é gerado pela trajetória da cor. As outras cores acompanham a disposição da primeira completando os espaços em branco da tela, formando o desenho.

O resultado da pintura pronta é abstrato e geométrico. Porém os observadores, como por exemplo Frederico de Moraes, entre outros, continuam a ver em minha obra a presença da paisagem. Este paisagismo que surge na tela não é o geográfico. Conclui-se que estou pintando a nova paisagem sensível a que se referia o saudoso amigo Waldemar Cordeiro.

Aldir Mendes de Souza

Cores do Buraco Negro

> 2006
Publicado no catálogo da exposição Cores do Buraco Negro, realizada no Centro Brasileiro Britânico, São Paulo, 2006.

Com esta temática desenvolvi uma série de pinturas inspiradas em desenhos que representam graficamente o fenômeno cósmico descrito pela física espacial com a denominação de Buraco Negro.

Impedido por ordem médica de pintar à óleo – material com o qual trabalhei por mais de 40 anos – tive que comprar cores acrílicas, de cujo catálogo retirei o título das obras. Cada uma das cores do mostruário originou uma tela com o tema em foco.

Analisando as pinturas produzidas verifiquei que elas pertenciam a duas tendências cromáticas: as de cores frias , azuis e verdes, e as de cores quentes, vermelhas e amarelas. Quando recebi o convite para expor no Centro Brasileiro Britânico notei que o espaço disponível era formado por duas salas de dimensões idênticas. Formulei uma proposta de montagem em que cada sala apresentasse o domínio das cores quentes e frias, para melhor análise por parte do público. Desta forma os quadros seriam fixados de jeito que um interferisse na cor do outro.

A ficção científica criada pelo Buraco Negro já havia sido por mim representada em 2001, mas não de maneira tão intensa. As obras atuais distorcem as formas, representando a deformação causada por forças gravitacionais nos campos magnéticos, e resultam uma geometria não Euclidiana, normalmente peculiar a fenômenos espaciais. Percebe-se que a cor desenvolve uma trajetória no espaço da tela, sendo captada visualmente durante o tempo de saturação da retina.

A representação desse binômio espaço-tempo é o objetivo da atual exposição.

Aldir Mendes de Souza